segunda-feira, 28 de maio de 2012

Os limites da lição de casa

Cristiane Rogerio
 
Com as famílias sobrecarregadas de tarefas, não é difícil concluir que a lição de casa ficou sem um tempo só para ela. Mas se ela ainda é necessária, o que fazer para tudo não virar drama dentro de casa?

João chegou em casa contando para a mãe a solução que havia encontrado para o fim de seu maior drama atual: ele e o colega fariam um “enunciado” para o fim da lição de casa. Do alto de seus 7 anos, ele queria mesmo era dizer “abaixo-assinado”, mas o que importava não era a palavra, e sim o significado que estava dando a ela. Sentindo-se sobrecarregado de tanta tarefa, João só pensa em encontrar um jeito de dar um basta. Sobrou até para o Saci. Após exaustivos dias de muita lição de casa, a professora mandou ler O Saci, de Monteiro Lobato, e, adivinhem: o menino já o encarou como “tarefa chata e exaustiva” e quer ver o personagem bem longe dele.

Lição de casa. Atire aí o primeiro lápis preto quem não se arrepia na hora que ouve essa palavra. Por mais “certinho” que você tenha sido como aluno, aposto que em algum momento você quis mesmo que a hora da lição acabasse logo para fazer outra coisa. É ou não é? Com um filho com mais de 6 anos em casa, você passa ou vai passar esse aperto. (Porque, antes disso, nem pensar! Se houver tarefas para uma criança na educação infantil, que ela seja só um pequeno treino eventual, sem maiores cobranças.) E o tal aperto pode acontecer por razões simples: crianças saudáveis querem sempre transgredir, a falta de tempo é uma realidade e porque, sim, existe lição de casa chata.

A gente carrega este peso com essas tarefas desde o começo do século passado. Foi lá que nasceu a péssima relação desse dever com punição. “Vocês não se comportaram, então vou dobrar a lição de casa de todos”, costumava sentenciar a professora. O mundo mudou, mas o mal-estar continua – e a necessidade do momento de lição de casa também. “O cérebro precisa de um tempo para assimilar individualmente o que foi aprendido em sala de aula. Quando a criança está na classe, o nível de fixação é outro”, diz Marta Pires Relva, professora de neurociência e aprendizagem da Universidade Cândido Mendes – AVM Faculdade Integrada (RJ). Embora o tema esteja na lista de reclamações há tanto tempo, a vida em sociedade hoje complica um pouco mais a história. De um lado, pais que, na maioria, trabalham fora e contam nos dedos as horas por dia que conseguem ficar com os filhos. De outro, crianças mais ágeis e com uma sede de aprender que tem origem – ou estímulos – em outras formas. Para elas, a lição de casa, decididamente, não pode ser como antigamente.

Medida e foco

Uma coisa é mais do que certa: a lição de casa não deve ser motivo de estresse para a criança. Deve ter sua medida certa e faz parte do trabalho do professor mostrar o sentido e orientar a criança. Essa relação anda tão confusa que no Canadá e nos Estados Unidos há grandes movimentos de pais pedindo limites para o excesso de tarefas, pelo direito de a criança “aproveitar a infância”. Não é a primeira vez que isso acontece, mas o dever chegou a ser banido no norte de Toronto nos jardins de infância e em todos os feriados para crianças maiores. Usam como base diversas pesquisas que apontam que não há relação entre quantidade de lição de casa com absorção de aprendizado ou de conteúdo das crianças. “Não há como fazer essa relação porque nosso cérebro é qualitativo e não quantitativo”, diz Marta Relva.

Então, qual seria a medida? Nos Estados Unidos, a Associação Nacional Americana recomenda que o tempo de estudo em casa não ultrapasse os dez minutos no primeiro ano, por exemplo. “O ideal é que comece a ter certa intensidade a partir do segundo, que pode exigir meia hora, depois, 40 minutos, a partir do terceiro, e assim por diante. Tem que ser gradativo”, diz Telma Scott, coordenadora pedagógica do Colégio Sidarta, de Cotia (SP). “E ela vai aprendendo a resolver o que precisa naquele período. Um treino para a vida”, diz.

A tarefa precisa ter um objetivo claro também. “Deve-se perguntar: ela está a serviço de quê? Assim vai ser valorizada em sala de aula e também pelo aluno. Toda lição tem de ter uma função acadêmica e coletiva. Aprender algo sozinho e depois poder levar para o grupo”, diz Cleuza Vilas Boas, diretora do ensino fundamental do Colégio Móbile (SP). O tempo conta muito. Estar no período integral ou ter a agenda cheia pode influenciar muito. “A criança está esgotada? Tem pouco tempo para descansar, brincar ou simplesmente não fazer nada? Se a lição vier depois de uma série de atividades, não há como ela ficar bem.”

NA LIÇÃO DE CASA, A CRIANÇA PENSA SOBRE O QUE APRENDEU

Se nós levarmos em consideração de que também o período de lição de casa é aprendizado “para a vida”, ela tem grandes efeitos no treino da concentração. Quem não sente dificuldades em focar sua atenção hoje em dia? Já é um problema, por exemplo, dos executivos. “Quem desenvolver desde cedo essa disciplina de focar em algo, talvez tenha mais facilidade em lidar com um mundo que puxa você o tempo todo para se distrair”, diz Marco Pellegatti, um dos autores de Como Estudar Melhor (Ed. Ide@) e também diretor de pesquisas do Amana-Key, centro de excelência em gestão e formação de líderes. É curiosa, inclusive, uma das primeiras frases desse seu livro. “Transforme o dever numa aventura. Troque a ideia da obrigação ‘rotineira’ do estudo pela ‘aventura diária do aprender’. Encare seu período escolar como uma experiência interessante e uma etapa para a realização dos seus sonhos maiores.” E não é isso que deveríamos ensinar às crianças?

Associar sempre o aprender com o “prazer” pode nos jogar em diversas armadilhas com as crianças. Nem sempre será divertido. “Não adianta dizer que lição de casa vai ser brincadeira, porque não é. Lição de casa é comprometimento”, afirma Marcelo Cunha Bueno, diretor pedagógico da Escola Estilo de Aprender (SP) e colunista da CRESCER. De ambos os lados da criança – na escola, em casa ou com a família – há de se valorizar não somente o conteúdo aprendido, mas também o processo. “As lições de casa não são para ensinar conteúdos, pois os mesmos serão abordados e aprofundados na escola, mas para que a criança venha a se tornar um estudante. Estudante é aquele que associa, relaciona, cria e experimenta”, diz Marcelo. E é imprescindível o cuidado com o retorno da lição por parte do professor. Só assim a criança vai ver sentido no que faz. “O professor tem que explicar claramente o pedido e se preocupar com o que a criança levar para a aula”, diz Telma Scott.

A TAREFA EXIGE ROTINA E ATENÇÃO DOS PAI

Para querer saber

Os pais também têm de preparar o terreno. “Desde oferecer um ambiente adequado, determinar um horário para haver uma rotina, até conversar com o filho. E nunca cair nos extremos: nem ficar em cima demais da criança, nem simplesmente não ter notícias sobre a lição de casa dele”, afirma Luciana Fevorini, orientadora educacional do ensino fundamental 2 do Colégio Equipe (SP). E os pais podem corrigir se encontram, por exemplo, um erro de ortografia? O ideal é que apenas apontem o caminho, mas que deixem o professor ver a evolução da criança. Ou seja, vale questionar, sugerir que ele confira no dicionário, mas não mandar apagar e dizer qual é a maneira certa sem nenhuma explicação. Também não vale tentar ensinar do seu jeito se o seu filho tiver uma dúvida. Pode ser que os professores tenham explicado aquele conteúdo de outra forma e, em vez de ajudar, você vai acabar confundindo mais a cabecinha dele.

Da educação infantil à pós-graduação, o aprender é motivado pela curiosidade. Se o papel do adulto em casa é o de mediar – e nunca fazer – a lição de casa do filho, ele pode encontrar meios de instigar. “Quando o filho é bem pequeno, é comum os pais oferecerem livros com histórias sobre os temas trabalhados na escola, e param depois. Mas isso marca a parceria que precisa haver entre os dois lados”, afirma Tatiana Sessa, autora do recém-lançado E Agora? Meu Filho Não Gosta de Estudar! (Ed. BestSeller, R$ 19,90). Além de mostrar livros sobre o assunto estudado, há outras alternativas. “Fazendo programações diferentes, ligadas ao que o filho está aprendendo, os pais ampliam o universo cultural e científico em casa. Mas, principalmente para os pequenos, o que conta é a atitude dos pais, o valor de aprender algo”, diz Magdalena Viggiani Jalbut, coordenadora dos cursos de graduação em pedagogia do Instituto Superior Vera Cruz (SP). Vale ir a um museu, a um parque, fazer uma viagem especial ou, quem sabe, uma atividade em casa.

Se você achar que a lição está exagerada – demais ou de menos – ou pouco estimulante para o seu filho, não deixe jamais de conversar com a escola, pois é algo fundamental. De qualquer maneira, é hora de pais e professores encontrarem um jeito de tirar o peso ruim que paira sobre a lição de casa, e transformá-la em algo desafiante e de valor.

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