terça-feira, 16 de outubro de 2012

Natal na era cibernética


CIÊNCIA E TECNOLOGIA / LABORATÓRIO DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO E AUTOMAÇÃO DA UFRN DESENVOLVE ROBÔS QUE PODEM SER APLICADOS NA ÁREA EDUCACIONAL, MEIO AMBIENTE E ATÉ EM SEGURANÇA NACIONAL

Texto: PEDRO VALE/ TALLYSON MOURA
DO NOVO JORNAL

Primeira lei: um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal. Segunda lei: um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que as ordens entrem em conflito com a primeira lei. Terceira lei: um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e/ou a segunda Lei.

As três leis da robótica, elaboradas pelo escritor Isaac Asimov em seu livro “Eu, Robô” e tão bem conhecidas de qualquer fã de ficção cientíca, podem parecer aos incautos apenas a legislação de uma realidade bem diferente e muito mais avançada que a nossa. E isso até pode ser verdade; engana-se, contudo, aqueles que pensam que os robôs pertençam somente a um futuro distante. Atualmente, os robôs estão presentes nos quatro cantos do mundo, representam avanços para diversas áreas do conhecimento humano – e estão sendo produzidos no Rio Grande do Norte.

O Natalnet é um laboratório localizado no Departamento de Engenharia de Computação e Automação (DCA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) especializado no desenvolvimento de robôs para os mais variados fins. A cabeça por trás do Natalnet é Luiz Marcos Gonçalves, 48.

Carioca de nascença, Luiz Marcos é formado em Ciência da Computação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e com doutorado em Sistemas e Engenharia da Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele estabeleceu o laboratório da UFRN em 2002, após ter concluído um pós-doutorado na França.

Cerca de 30 acadêmicos integram a equipe do Natalnet. Além de pesquisadores da UFRN, o laboartório conta também com a participação de estudiosos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

Como a robótica abrange diversas setores da área das tecnologias, trabalham no laboratório graduandos e pós-graduandos de Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Engenharia da Computação. Sob a coordenação de Luiz Marcos, o time atualmente trabalha em 19 diferentes projetos.

Mas o que, afinal, pode ser considerado um robô? Luiz Marcos explica que é importante diferenciar um robô de uma simples máquina automatizada, como um computador ou uma porta automática. “O robô tem uma espécie de ‘inteligência’, entre aspas mesmo, porque consegue ler o seu ambiente e reagir adequadamente”, destaca.

Por exemplo: enquanto uma porta automática de shopping está eternamente fadada a repetir seu movimento de abre e fecha eternamente, não passando de uma ferramenta, um robô seria um pequeno automóvel que reconhecesse um obstáculo em sua trajetória e, para evitar um choque, desviasse sozinho seu percurso.

DEZ DÓLARES NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA

O N-Bot, desenvolvido por acadêmicos do Natalnet, é um exemplo de robô: através de sinais de som obtidos de celulares ou tocadores de MP3 acoplados em sua carcaça, o mini-triciclo é capaz de se locomover. Equipado com os sensores necessários, o N-Bot pode adquirir a capacidade de fotografar, filmar e reconhcer obstáculos.

O melhor de tudo é que o robô é uma pechincha: o N-Bot custa 14 dólares, pode ser construído com materiais facilmente adquiríveis no Alecrim e garantiu a uma equipe de quatro pesquisadores do Natalnet o segundo lugar na categoria geral do “Desafio do Robô de 10 Dólares”, lançado pela Afron (African Robotics Network, algo como Rede de Robótica Africana em tradução livre) para construção de um robô educacional barato para ser utilizado nas salas de aulas africanas. O concurso aconteceu entre os dias 15 de junho e 15 de setembro deste ano.

“Saímos na Wired e em diversas outras revistas internacionais por causa dessa vitória. Existe um kit da Lego chamado Mindstorm para construção de robôs com peças de Lego de maneira simples e didática, mas que custa R$ 1.000,00. A gente até usa esse kit no Natalnet, mas ainda é um preço muito caro. A ideia do concurso da Afron era promover um robô barato o suficiente para que cada aluno de escolas africanas pudesse ter o seu próprio”, conta Rafael Aroca, 32, integrante da equipe que desenvolveu o N-Bot, cujo sistema está patenteado.

Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando em Engenharia Elétrica e de Computação pela UFRN, Aroca acredita que a presença de robôs nas salas de aula é capaz de motivar os alunos a estudar, mesmo que o conteúdo da aula não tenha a ver com robótica. “Até nas matérias tradicionais, o ensino fica mais rápido e atrativo com um robô apropriado em sala de aula”, afirma.

PROTETOR DO MEIO AMBIENTE

Um dos robôs que foram desenvolvidos no Natalnet é o NatalGIS, um mini-helicóptero com autonomia para voar sem piloto, tirar fotos e fazer vídeos. Segundo Luiz Marcos, o produto final tem funções como a de filmar parrachos e fotografar as dunas da cidade. Dessa maneira, pode ser utilizado em estudos sobre a preservação do meio-ambiente.

A iniciativa foi viabilizada através da Chamada Universal divulgada em maio deste ano pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto já foi encerrado e o robô concluído, mas suas linhas gerais agora estão servindo de base para que Thiago Oliveira, integrante do laboratório, desenvolva seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Thiago tem 24 anos e é estudante de Engenharia da Computação. A meta de seu TCC é desenvolver a programação de piloto automático para que o hardware (a parte palpável do robô) possa voar sozinho. Como o Natalnet foca mais na parte de computação, e não na construção das peças, a equipe comprou um hardware pronto e somente as adaptações necessárias foram feitas na UFRN. Ao estudante, coube a programação do software do robô.

“Antes de testar o meu piloto automático na prática, eu uso um programa de simulação chamado FlightGear. Só quando tudo dá certo na simulação é que testamos no hardware mesmo”, explica o jovem. O NatalGIS que está sendo desenvolvido pelo universitário ainda não fez seu primeiro vôo – o rapaz ainda está testando o programa no simulador.

Entretanto, mesmo um vôo sem percalços no computador não é garantia que o programa vá funcionar na vida real. Luiz Carlos ressalva que o helicóptero provavelmente cairá nas primeiras vezes e só voará corretamente à medida que Thiago for fazendo as alterações necessárias no seu programa.

ROBÔ MILITAR

O sistema de tentativa e erro no qual se baseia a construção de robôs como o que está sendo desenvolvido por Thiago demanda altos custos. Atualmente, o Natalnet está trabalhando em um projeto para produção de mini-aviões não-tripulados multifunção em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o Instituto Militar de Engenharia (IME) e uma fabricante de sistemas não-tripulados chamada Xmobots. O projeto se chama N-Vant e está sendo financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do MCTI e custa a bagatela de R$ 1,6 milhão aos cofres públicos.

Luiz Carlos explica que o projeto é caro porque os primeiros exemplares a alçar vôo se esborracham, invariavelmente e sem possibilidade de reparo, no chão. Independente da performance do robô nos simuladores, o software que rege seu comportamente nunca funciona de primeira nos testes práticos.

“Os primeiros aviões N-Vant (a sigla ‘Vant’ vem de Veículos Aéreos Não-Tripulados) que pusemos para voar caíram em poucos minutos. Um dia desses conseguimos fazer comque um voasse por mais tempo, mas ele acabou batendo em uma rede de vôlei e caindo no chão. A meta do projeto é produzir um robô que pese 200 gramas e consiga alcançar uma hora de vôo autônomo”, explica Luiz Marcos.

O alto valor dos recursos dispensados a projetos como os desenvolvidos para o Natalnet não podem ser encarados, contudo, como desperdício das verbas públicas; tratam-se, antes de mais nada, de investimentos. De acordo com o coordenador do laboratório, o objetivo principal de iniciativas como o N-Vant é, antes de construir robôs, formular a carga útil para que esses robôs possam ser produzidos com facilidade por outrem.

O projeto dos mini-aviões, por exemplo, está sendo desenvolvido com o intuito de que a carga útil gerada possa ser utilizada pelo governo brasileiro em aplicações militares. Devidamente equipados com câmeras, os robôs poderiam ser usados no controle de fronteiras e monitoramento de áreas de risco, como favelas.

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